Itinerário de um passeante solitário

De entrada devo dizer que eu não faço aquilo que a maioria das pessoas chama « desenhos animados » por gosto.
Quando eu tinha 17 anos, um rapaz amigo perguntou-me: ó Zé, tu sabes fazer desenhos animados? Eu respondi que sim, mas era mentira e o mais surpreendente é que ninguém deu por isso.
Porque é que eu menti ao meu amigo?
Porque nessa altura, eu criava e desenhava jóias para o meu pai, mas eu não queria continuar a ser o menino do seu pai.
O que eu mais desejava é que quando o meu pai passasse na rua as pessoas dissessem: Aquele senhor que ali vai é o pai do José Xavier.
Foi o que aconteceu.

Contudo, a minha actividade de criador e de desenhador de jóias fez-me muito bem porque me mergulhou imediatamente na cultura e na prática das artes decorativas.
Os primórdios da minha cultura artística devo-os ao meu pai que sempre venerou a arte e os artistas e que me levou pela mão, quando eu tinha 10 anos, ao museu do Prado.
Foi nesse museu que eu fiquei deslumbrado com a beleza de três quadro de El Greco, Velasques e Goya que me ficaram para sempre na memória.
Ainda com o meu pai, frequentei assiduamente o museu Nacional de Arte Antiga para admirar, sem me fartar, o esplendor dos biombos NAMBAN.
Mais tarde, descobri por mim mesmo outros artista que muito me impressionaram, sobretudo o desenhador, gravador, pintor e poeta William Blake.
Devido ao meu interesse, diria mesmo, a minha paixão pela arte, podem imaginar a minha surpresa quando o meu amigo Mário Santos me perguntou se eu sabia fazer desenhos animados.
Confesso que os cartoons, as histórias em quadradinhos, as caricaturas e outras tantas coisas piadéticas, nunca foram « ma tasse de thé » a minha « chávena de chá » como se diz na terra onde vivo.
Porem, por causa do detestável salazarismo onde vivi durante 20 anos, que me obrigou a ver, entre os 6 e os 12 anos, dezenas e dezenas de filmes de desenhos animados, creio que fiquei apto para fazer de pé para a mão coisas que não me interessavam, mas com as quais ganhei a minha independência e a minha vida.
Foi assim que comecei a fazer o que faço, não por gosto, mas porque sabia desenhar. Ademais, não me recordo de nunca não ter desenhado.
Sempre desenhei muito e sempre tive a faculdade de representar facilmente tudo o que queria.
Como devem saber, há uns anos a traz, desenhar com fluência e bem fazia parte dos imperativos necessários para fabricar desenhos animados.

Trabalhei em Portugal enquanto profissional desta profissão durante 4 anos.
A única coisa boa desta aventura foi a minha convivência com Armando Servais Tiago, pioneiro da animação portuguesa, mas sobretudo poeta e compositor e com a sua irmã Violante que me ensinou a tocar piano e a falar francês correctamente.
Depois fartei-me das coisas feias que fazia, do fascismo português e dos seus fascistas e abalei então para França onde ainda vivo.
Para França porquê?
Além do facto da França ser o país onde nasceram os desenhos animados, a fotografia e o cinematógrafo, devo sublinhar que falar francês é para mim uma necessidade.
Existe entre a língua francesa e eu uma verdadeira « affaire de coeur », uma história de amor, se quiserem.
Falar Francês é uma das três coisas que mais me dão prazer na vida, as duas outras são comer pão e beber água fresca.
O francês tornou-se a minha língua e, como disse o poeta, a minha pátria.
O português ficou guardado em mim, como um segredo, para ler as poetisas portuguesas de que tanto gosto.

Em França, em Paris, onde cheguei com 20 anos, continuei a fazer coisas sem interesse, mas que as pessoas em meu redor gostavam muito, adoravam e estimavam e ainda bem.
Quando cheguei aos 30, senti a imperativa necessidade de me purgar das alienações do profissionalismo.
Para me tratar, fiz um filme de curta-metragem intitulado « Désert ».
O processo de criação de « Désert » contrariou todas a regras, usos e costumes do fabrico de um filme de desenhos animados.
Foi um filme que eu realizei num estado de improvisação total, sem guião, sem storyboard e sem esboços prévios.
O mais surpreendente é que, apesar de tudo isto, este filme foi subvencionado pelo CNC (Centre National da la Cinématographie).
Se eu quisesse fazer hoje um filme do mesmo género em Portugal, estou convencido de que o ICA e os seus júris nunca me permitiriam uma tal coisa.
Para meu espanto, « Désert » foi premiado em França, nos Estados Unidos e no Japão, exibido nos cinemas em França em complemento de um filme de Joseph Losey e integrado numa exposição itinerante que percorreu o mundo: « 30 anos de cinema experimental »
Agora, se ma permitem, vou-vos explicar sucintamente, como fiz este filme.
Todas as manhãs, antes mesmo de beber o meu meio litro de café, sentava-me à frente da minha mesa de trabalho e desenhava quase que automaticamente uma imagem e depois outra e mais outra e assim sucessivamente até sentir em mim que começava a compreender o que estava a fazer.
Assim que isto acontecia, parava imediatamente de desenhar, ia comer qualquer coisa, olhar para o céu, tocar piano ou sair à rua, porque aquilo que eu começava a sentir era o pernicioso sinal de que os meus hábitos profissionais teimosos estavam de novo a manifestarem-se.
Assim fiz « Desert » até ao fim, sem nunca tentar compreender o que fazia.
Durante a sua realização confiei somente na minha intuição para fazer surgir do fundo do meu pensamento, diria mesmo, da minha alma, os movimentos de imagens que compõem este filme.
Donde vieram as imagens de « Désert »?
Ainda não sei.
Que relata este filme?
A dificuldade de ser.

Devo dizer que se sobrepõem à realização de « Désert » dois dos mais importantes acontecimentos do meu itinerário, a minha iniciação à arte da gravura com o meu mestre Alexandre Alexeïef e ao início do meu ensino da Arte das Imagens em Movimento na Escola Superior das Artes Aplicadas « Duperré » de Paris.
Quando a maioria das pessoas ligadas à « animação » me ouvem falar da minha íntima relação com Alexandre Alexeïef, elas pensam imediatamente que nós passávamos a vida a falar do assunto « animação ». Nem por sombras.
As nossas conversas eram dedicadas à arte das imagens gravadas, à literatura, à poesia de Pouchkine, à música de Moussorgski ou de Francis Poulenc.
A minha convivência com Alexandre Alexeïef foi uma das mais belas coisas da minha vida.
A outra, como já disse, foi o meu ensino da Arte das Imagens em Movimento na Escola Superior das Artes Aplicadas « Duperré » de Paris.
Propuseram-me ensinar a disciplina « animação filme » segundo os dizeres da directora.
Fiquei encantado com o seu convite.
Primeiramente por ela ser a primeira pessoa que colocou, no enunciado da disciplina, a palavra « animação » antes da palavra « filme » e pelo facto do meu ensino ser uma disciplina opcional o que me livrou da obrigação de formar soldados e soldadas para a indústria e o comércio dos desenhos animados.

Durante 12 anos pude assim aprofundar o meu pensamento e levar longe a minha reflexão sobre a arte das imagens em movimento.
Depois, durante quase 15 anos mergulhei de novo no mundo das coisas banais, que agradam a todos salvo a mim mesmo: filmes publicitários, curtas-metragens de circunstância, séries, especiais de Natal e outras ninharias e até mesmo um filme avantajado para comemorar a revolução francesa de 1789. Todavia, durante este longo período, ia pensando e fazendo aos bochechos um filme sobre as peripécias de um carro eléctrico e de um táxi de Lisboa antes de integrar nele um intruso de destaque, o poeta Fernando Pessoa que modificou de alto a baixo o filme todo.
Aproveitei para introduzir no filme « 28 » o fruto da minha reflexão sobre a Arte das Imagens em Movimento.
O filme « 28 » contém toda a minha doutrina, todos os meus dogmas, todos os meus conceitos sobre a poética do movimento.
Mais tarde escrevi, a pedido do meu amigo Fernando Galrito um livro sobre este assunto.
O filme 28 levou tempo a fazer porque a presença do poeta Pessoa no filme requisitou da minha parte a leitura total da sua obra e, como sabem, ou talvez não saibam, Fernando Pessoa escreveu bastante.
Durante muito tempo, como diz José Pedro Cavalheiro no prefácio do meu livro « O Movimentos das coisas, talvez… » andei com o Pessoa às cavalitas.
Pessoa foi e permanece na minha mente como um mestre exemplar que nunca negociou a sua arte.
As suas palavras: eu não escrevo para viver, vivo para escrever, permanecem sempre vivas na minha mente.

O meu amigo Galrito, através de solicitações, pedidos e desafios, sempre estimulou o meu desejo permanente de criar coisas diferentes.
Quando ele me propôs de participar a uma edição do evento First na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha aceitei logo por se tratar de criar imagens em movimento e expô-las como quadros numa galeria.
O seu convite fez surgir imediatamente na minha memória aquilo que Alexandre Alexeïef me tinha dito a beira do lago de Annecy quando eu ainda tinha cabelo e uma barba escura:
A animação é classificada como cinema, mas o público do cinema vai ao cinema para ver as nádegas da Brigitte Bardot não é? Mas ele não vai ao cinema para ver coisas do José Xavier, de modo algum, o seu lugar é numa galeria de arte, não numa sala de cinema.
O convite de Fernando Galrito coincidiu com o eco das palavras do meu mestre.
Compus então os « 6 Essais sur le mouvement » (6 Ensaios sobre o movimento)
Nos « 6 Ensaios sobre o movimento » ainda fui mais longe do que no filme « Désert » no desrespeito das regras, usos e costume usuais do animador.
Passei do conceito ecrã ao conceito página, pondo simplesmente os ecrãs dos monitores ao alto e não usei nem pegbars, nem papel perfurado, nem mesa de luz e ainda menos sofwers e outras iguarias modernas para movimentar as imagens.
Agora pergunto-me: será que os « 6 Ensaios sobre o movimento » têm cabimento neste texto sobre o meu itinerário?
Pergunto-me isto na medida em que os « 6 Ensaios sobre o movimento » não são um filme mas 6 estilhaços de imagens em movimento destinadas a ser exibidas separadamente come obras de arte.
A resposta é sim, porque no itinerário que estou a relatar, confundo de propósito as minhas actividades fílmicas com as minhas actividades experimentais.
Foi o caso do filme « Pessoas » que o Fernando Galrito me incitou a realizar.
Como já disse à bocado, andei com o Pessoa às cavalitas durante muito tempo.
Um dia herdei da totalidade do espólio de Fernando Pessoa e descobri que, como muitos outros escritores, ele fazia, certamente para se desanuviar, diversos desenhos nas margens das páginas dos seus manuscritos.
Decidi então responder ao desafio que me foi lançado por Fernando Galrito com o filme « Pessoas », filme no qual utilizei alguns manuscritos e desenhos do poeta.
Este filme comporta actualmente 4 Pessoas.
Talvez um dia, quando for centenário, acrescente mais alguns Pessoas ao « Pessoas ».
Quem sabe?

Fazer filmes é um frete danado.
Em contrapartida, movimentar imagens, criar movimentos, fazer crer que as coisas são o que não são, isso sim, isso é que é delicioso.
Creiam-me, não há nada mais belo na vida que criar movimentos, gestos, atitudes, posturas, imagens, por prazer.
O problema é que para a maioria das pessoas o prazer é suspeito.
Não entendo nem nunca entendi essa gente de alma retorcida que dá mais valor ao sofrimento do que ao prazer.
Como a minha avó, que gosta exclusivamente de ver filmes que a faziam chorar a potes.

Fazer filmes é uma chatice.
Fazer coisas que não se parecem nem com filmes nem com nada é bem melhor.
Quem ouve isto vai dizer que eu sou insensato e sou, mas…
Agora pergunto, acham que foi sensato que, há 35 000 anos, fulanas e fulanos tenham pintado, sem serem subsidiados, bisontes, cavalos, mamutes e leões nas paredes das grutas?
Para mim fazer um filme é e deveria permanecer uma descoberta, mas como é que eu posso pretender descobrir se, para fazer um filme, me obrigarem a escrever um guião, a fazer um storyboard e toutti quanti?
Para quê?
Um guião para me guiar ou para me poderem julgar?
E quem é que me vai julgar?
Gente que sabe mais da minha arte do que eu?
Duvido

Um dia, tive o prazer de receber do meu mestre e amigo Servais Tiago uma recolha de poemas intitulada « Várzea ».
Para compartilhar este prazer, com a minha doce e terna Marie-Anne, traduzi para ela três poemas da recolha «Várzea» em francês e depois, segundo os meus hábitos, à noite, tarde, encontrei-me diante da minha mesa de trabalho a ensaiar com diferentes entonações e ritmos, o início da frase de um dos três poemas.
A questão que surgiu imediatamente foi:
Como traduzir as palavras em imagens?
Veio-me imediatamente à cabeça a definição de Paul Valéry do poema:
« O poema, essa longa hesitação entre o som e o sentido ». o que me evitou de cometer o erro de considerar as palavras apenas através dos pedacinhos dos seus diversos significados e de me por pintar, por assim dizer, um belo céu nocturno salpicado de estrelas com uma lua de circunstância no meio.
A questão «Como traduzir as palavras em imagens?» não é portanto a boa.
A boa questão é: Como traduzir os sons das palavras em movimentos de imagens?
Para além do facto de que este modo de formular a questão oferece a vantagem de eliminar os malefícios do pleonasmo, ele introduziu na minha mente a ideia de um trabalho sobre as relações entre o movimento da «música» das palavras e o movimento das figuras.
Em seguida, pus-me a animar o poema à medida que o ia lendo, improvisando como sempre.
Deste trabalho resultou um primeiro esboço.
Mostrei ao meu amigo Servais o esboço e ele ficou encantado.
Aproveitei o encantamento dele para lhe propor um jogo, que intitulei «Processo de transformação», que devia decorrer da seguinte maneira:
Primeira transformação: tradução de três poemas da recolha « Várzea » em francês.
Segunda transformação: tradução em movimentos de imagens dos três poemas traduzidos.
Terceira transformação: composição de três peças para piano segundo a versão francesa dos poemas.
Quarta transformação: tradução em movimentos de imagens das três peças para piano.
Conclusão do processo: juntamos a música e as imagens, ficamos surpreendidos com o resultado e depois comemos e bebemos à grande e à francesa.
Armando Servais Tiago aceitou o jogo e começou por compor uma primeira peça para piano a partir do poema «Dislate de pássaro… ».
Eu depois fiz o resto.
Tenho ainda uma coisa a acrescentar ao que disse.
Quando falo de transformar os sons das palavras em movimentos de imagens falo verdadeiramente duma transformação que faz desaparecer as palavras de origem.
Varias pessoas perguntaram-me depois de ver este filme: então e o poema?
O poema transformou-se noutra coisa, nas coisas que se vêm.
As palavras deixaram de se ouvir para dar lugar a imagens que se movem.
Então e a música? Dizem-me outros, porque que continuamos a ouvi-la?
Porque foram os sons, os ritmos, a dinâmica das palavras que se transformaram em movimentos de imagem e não a música. A música é, no caso da « Várzea, Dislate de pássaro… » o complemento metafórico do conjunto imagem/som.
A realização da « Várzea, Dislate de pássaro… » abriu-me o apetite para fazer coisas minimalistas, curtíssimas, concisas, que me permitem descobrir territórios de liberdade inesperados que me surpreendem.

O meu território de liberdade de expressão preferido são os meus cadernos animados.
São estas coisas que modifico, transformo, faço aparecer, desaparecer, subir e descer sobre as páginas dos meus cadernos que me inspiram outros movimentos de imagens tal como os da « Dança dos signos » ou « Um Canto para dormir » que realizei doutra maneira, com outros instrumentos e sobre outros suportes.
Um dia alguém me perguntou: porque é que o senhor faz filmes silenciosos.
Respondi-lhe: para não perturbar a imagem.
As relações entre as imagens e os sons são conflituosas.
As imagens requerem o silêncio e os sons não precisam de imagens.
Isto dito, por vezes gosto de confrontar os movimentos de imagens com os movimentos da música e os movimentos da música com os movimentos de imagens.
Existe uma ópera de Debussy que eu adoro, mas que me decepciona cada vez que a vejo encenada num teatro.
A ópera em questão chama-se « Pelléas et Mélisande ».
Quanto a mim, a única maneira de encenar correctamente esta maravilha seria de fazer dela um filme de imagens animadas, mas o problema é que a dita ópera dura « anos », enfim, mais de duas horas.
O que é que eu fiz?
Segundo as minhas ideias sobre a poética da ilusão do movimento, procedi a um trabalho de concisão.
Peguei na primeira cena do primeiro o acto e introduzi nela a quase totalidade da problemática da ópera, tal como fiz no 28 onde consegui meter dentro de 4 minutos e picos quase toda a obra de Pessoa.
É neste sentido que fazer filmes é uma chatice, por um filme ser quase sempre uma coisa de nada estendida e esticada até atingir os limites do enfadonho.
Os movimentos de imagens ou, se preferirem, as imagens em movimento, tanto podem ser estendidos, dilatados, como podem ser comprimidos e concisos.
Depois é uma questão de gosto.
Há pessoas que preferem as sinfonias de Mahler às sonatas de Scarlatti.
Eu sempre preferi mais as obras curtas e concisas que dizem muito, do que as coisas longas e chatas que dizem pouco.
No fundo, confesso, eu faço coisas curtas por que tenho horror de me chatear e de chatear os outros e acrescento, é melhor ler um haïku que diz muito com pouquíssimas palavras que ler romances de 400 páginas.

A minha maneira de trabalhar é diferente dos outros porque eu não respeito nem regras, nem usos, nem costumes.
A pouco disse que ainda não sabia donde vinham as imagens do filme « Désert » e acrescento, nem de nenhum outro filme ou similares.
Não sei nem me interessa saber.
O que me interessa é expeli-las para fora da minha cabeça.
As imagens que estão dentro de mim sobem de vez enquanto à superfície e depois mostram-se a mim para eu as representar.
Passa-se o mesmo fenómeno com os movimentos que me atravessam de lado a lado, mas eu não sei a razão de ser das coisas que me obsedem como por exemplo fazer voar, planar, suspender tudo e mais alguma coisa.
Naquilo que eu represento a figura do Anjo, com asas ou sem asas, é constante.
O Anjo, os anjos talvez venham do prazer que retirei da minha primeira leitura da primeira Elegia de Duino de Reiner Maria Rilke que começa assim:

Quem, se eu gritasse, me ouviria dentro as ordens
dos anjos? e mesmo que um me apertasse
de repente contra o coração: eu morreria da sua
existência mais forte. Pois o belo não é senão o
o começo do terrível…

Esta Elegia influenciou-me, é mais de que certo, mas em geral eu estou-me nas tintas para as certezas…
A minha maneira de trabalhar também é diferente porque eu desenho pouco ou quase nada à nascente de um filme ou de um dos meus pedaços de movimento de imagens.
A não ser que seja obrigado por diversas razões, principalmente para pedir apoio financeiro a uma entidade.
Foi o caso do filme « a criação » para o qual fiz alguns desenhos:
Depois fiz, para meu prazer, um caderno de esboços em movimento com Anjos, Arcanjos e música de Palestrina.

O filme « a criação » não é um filme sobre a divina criação de Deus nosso Senhor como dizia a minha avó. Nada disso.
Se assim fosse, tinha pedido meios financeiros ao Papa em vez de pedir ao ICA.
« a criação » relata a minha minha maneira de criar, de extrair do nada, de transformar e de movimentar as imagens que tenho em mim.
Como foi bater à porta do ICA tive que me cingir às regras em vigor desta instituição.
Tive portanto que fazer um storyboard, que pouco tem a ver com o filme definitivo, mas que começa assim:
Ao princípio, era a linha, que se transformou em contorno, que se transformou numa figura, depois noutras que sugerem coisas, que se constroem mutuamente e assim sucessivamente até ao fim:
Muitas pessoas pensam que eu ando de luto quando vêm que a maioria dos meus filmes é a preto e branco.
Outras pensam que eu sou um snobe que só ouve e gosta de música erudita.
É verdade que a música dita popular não me interessa para nada, contudo, foi com imenso prazer que realizei le video-clip « Les volcans endormis » sobre uma canção escrita e interpretada pela minha filha Mathilde que contradiz o meu preto e branco habitual.
Quando lhe perguntei: que queres que faça? Ela respondeu-me: o que quiseres.
Não me privei.
Ultimamente, durante o COVID-19, fiz outro filme onde me recordo e falo dos momentos que passava na casa vetusta onde nasci, longe da minha doce e terna Marie-Anne.
Sobre este filme, « Saudade, talvez… » ainda não posso falar como acabo de fazer para todos os outros porque ainda tenho o nariz em cima dele, mas garanto-vos que, mais tarde, talvez, responderei a todas as eventuais questões que me quiserem pôr.

José-Manuel Xavier

Argenton-sur-Creuse 2024